Pesquisar este blog

sábado, 18 de setembro de 2010

A arte de Escrever e a nossa Vida

Olhar crianças aprenderem a escrever é um privilégio em vários sentidos. Você acompanha o descobrimento de todo um novo universo que já estava presente mas nem sempre pôde ser apreciado, devido ao estágio de desenvolvimento. É mais um passo em direção à independência e ao conhecimento. É raro a gente pensar nisso, mas o nível de abstração necessário para organizar em símbolos gráficos os sons das nossas ideias não é pequeno. Isso gera algumas incorreções nos primeiros textos escritos, por culpa de nossa própria língua, que são por outro lado perfeitamente consistentes e compreensíveis. Em outras palavras: o mesmo som tem sempre a mesma representação gráfica para os aprendizes mirins.

Explico. Se a letra se chama ERRE, é mais fácil deduzir que quando a letra está presente em uma palavra tenha sempre o mesmo som forte, o que pode originar uma tradução intersemiótica (traduzir signos de um meio para outro, do universo sonoro para o universo visual) fora dos padrões gramaticais tradicionais. Nessa etapa de aprendizado, pode ocorrer uma palavra como CARO grafada em lugar de CARRO. O português, nesse e em vários aspectos, não é tão simples. Nem tão simplificável. O alemão e o japonês possuem símbolos gráficos que representam sempre os mesmos fonemas (símbolos sonoros). Isso já não acontece no inglês, onde um símbolo gráfico pode possuir várias leituras e pronúncias, dependendo do contexto. Outro exemplo é a letra Q. Ela não ocorre em nosso idioma desacompanhada da letra U. A QUESTÃO é: por que não poderíamos escrever QESTÃO? Eliminar a redundância e manter o U depois do Q somente quando ele for pronunciado (como em AQUÁTICO ou FREQUENTE). Isso eliminaria alguns problemas de dúvidas de pronúncias de forma muito efetiva, ainda mais depois da eliminação do trema na última reforma ortográfica. Tudo bem, isso não vai resolver o problema da LINGUIÇA a menos que também seja feita uma adaptação no G e no J, para que o G possa ter sempre som de GUÊ e o J, com de . O que daria palavras como JEMA e ENGIÇADO mas eliminaria aquela dúvida fundamental: isso é com G ou com J? Foneticamente, tudo ficaria igual, mas graficamente teríamos grandes mudanças para nos adaptarmos. Mesma coisa padronizando o uso do S e Z e na sequencia matando o Ç. O ERRE ainda seria um problema merecedor de considerações específicas.

Com certeza essa simplificação reduziria muito o tempo de aprendizagem da língua e eliminaria muitas questões de provas de português, mas é uma ideia a considerar lembrando que a última reforma gramatical já provocou uma série de desconfortos internacionais.

Deixando de lado essa sopa de letrinhas e voltando ao tema, o que essa reflexão ressalta é a forma como nos acostumamos a pensar de formas predefinidas e automatizadas, sem questionamentos e sem tentar otimizar os recursos. Alguém falou e continuamos fazendo igual. Se todo mundo fosse treinado e domesticado a pintar apenas dentro da linha, não teríamos os grandes movimentos artísticos com os quais estamos acostumados hoje mas que em sua época (e mesmo para nosso padrão atual) foram revolucionários.

Parece que o medo da mudança é maior que a percepção de sua necessidade. Tente imaginar quantas coisas você faz por dia por alguma tradição sem sentido atualmente e como daria para melhorar. Como seria possível desautomatizar o olhar e o pensar? Como isso impacta em nosso modo de criar?

Um comentário:

Re Lepage disse...

Espetacular!
Concordo com as mudanças e com o fato de que geraria muita controvérsia por mais lógica e facilitadora que ela me pareça.
Tenho visto muita coisas nesse último ano (quando mergulhei na questão artística do meu trabalho) e certamente uma que tem me incomodado DEMAIS é a impressão que mesmo num meio onde teóricamente se pode ser livre para expressar o que quiser, o artista é direcionado a fazer o que, de alguma forma, é a linguagem estabelecida. Num paralelo à qestão da gramática postada pelo Kleber.
O desafio é pensar fora da gaiola, podemos criar uma linguagem sem os formalismos vigentes? Ainda acho que sim! (de hoje em diante o "qu" tá fora de qestão) ;)